Depois de temporada carioca, Louise Cardoso está na cidade com o primeiro monólogo de sua carreira, O que é que ele tem?, em cartaz no Teatro Eva Herz até final de agosto. Inspirado no livro homônimo da cantora Olivia Byington, o espetáculo, com dramaturgia de Renata Mizrahi e direção de Fernando Philbert, narra o drama verídico de Olívia, que aos 22 anos deu à luz um garoto, João, com a raríssima síndrome Apert, que, por mutação genética, provoca má formação do crânio, além de os dedos dos pés e das mãos nascerem unidos.
Fiel ao livro, lançado em 2016, a peça traz uma mãe que relata desde a alegria sentida em sua primeira gestação, conciliada com o início da carreira artística, o susto com a notícia da doença rara do filho e a entrega total ao processo de tratamento da criança, submetida a dezenas de cirurgias. Passado este longo período, outra luta tem início, a de inclusão de seu filho num mundo fechado e intolerante às diferenças.
Com poucos elementos cênicos, Louise entra no palco de maneira extremamente natural e cumprimenta a plateia como se estivesse em sua casa. Só após esta introdução que o espectador percebe que já está diante da personagem, que começa seu comovente relato sobre o nascimento de João. Sem se ater à cronologia, ela logo fala sobre a síndrome Apert — nome se refere ao médico francês, Eugène Apert, que descreveu a doença — e sobre as inúmeras cirurgias pelas quais João foi obrigado a se submeter. Mas logo conta da felicidade que sentiu ao saber que estava grávida, dos planos para conciliar a maternidade e a carreira e, desta forma, intercala momentos que precederam o nascimento da criança com os depoimentos de todo o processo terapêutico, que incluiu a fase de tratamento nos EUA.
Concomitantemente ao desenvolvimento de João — seu fascínio por caminhões e carros e por surfar —, aquela mulher também conta os principais fatos de sua vida, como o final do primeiro casamento, a retomada da carreira, o apoio recebido de sua mãe na criação do João, seu segundo casamento e a chegada dos outros três filhos. No entanto, o que sobressai da emocionante explanação da vida desta mãe é sua luta contra a intolerância ao diferente, o olhar preconceituoso da sociedade, como fica nítido neste trecho do livro:
“Nada é melhor para alguém com deficiência do que o convívio em sociedade. Nada é melhor para a sociedade do que o convívio com as diferenças.”
Por mais que a história seja repleta de dramaticidade, a montagem revela a superação tanto de Olivia como de João; tudo é leve e ganha um colorido especial justamente por ter como trilha sonora as canções de Olivia e os desenhos que criou para o seu livro, que são projetados em telas espalhadas pelo palco.
“A peça é uma história de muitas vitórias. Olivia não se faz de coitada, vai à luta, enfrenta os problemas com absoluta leveza, coragem e determinação. Ela e o João são exemplos de otimismo e amor à vida. A montagem privilegia muito a essência deste comportamento e dessa visão de mundo”, afirma Louise Cardoso.
Com uma dramaturgia tocante e uma direção sensível, O que é que ele tem? em pouco mais de uma hora envolve o espectador, que deixa a sala de espetáculo comovido e revigorado, depois de um belo exemplo de superação e tolerância. Tudo isto graças ao empenho e entrega de Louise Cardoso, uma atriz de talento ímpar e de pleno domínio cênico, que sabe gravitar da comédia ao drama com a mesma categoria. Pena que venha pouco a São Paulo; mas desta vez a temporada se estende até agosto. Um espetáculo marcante e de muita emoção; não perca!
Roteiro:
O que é que ele tem? Texto: Renata Mizrahi partir do livro homônimo de Olivia Byington. Direção: Fernando Philbert. Cenário: Natália Lana. Figurino: Rita Murtinho. Iluminação: Vilmar Olos. Trilha sonora: Marcelo Alonso Neves. Direção de movimento: Marcia Rubin. Videografismo: Rico Vilarouca e Renato Vilarouca. Preparação vocal: Luciana Oliveira. Visagismo: Rose Verçosa. Foto: Lenise Pinheiro e Leo Aversa. Produção executiva: Cristina Leite. Idealização: Flavio Marinho.
Serviço:
Teatro Eva Herz (168 lugares), Av. Paulista, 2073, Conj. Nacional, tel. 11 3170-4059. Horários: sexta e sábado às 21h e domingo às 19h. Ingressos: R$ 70. Bilheteria: de terça a sexta das 14h às 21h; sábado e domingo a partir das 14h. Duração: 70 min. Classificação: 12 anos. Temporada: até 25/08.
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